segunda-feira, 25 de junho de 2012

Não vou pensar em você

Eu não vou pensar em você hoje. Não vou pensar nos seus olhos fechados e depois não vou pensar neles abertos. Não vou imaginar como fica a minha própria imagem de cabeça para baixo, quando projetada na sua retina. Não vou pensar no diâmetro das suas pupilas e muito menos na coloração das suas mucosas. Não vou pensar na profundidade das suas órbitas ou na inervação motora das suas pálpebras. Os movimentos dos seus olhos podem pertencer a qualquer um enquanto eu não estiver pensando em você.
Eu não vou pensar nas rachaduras dos seus lábios e nem nos sorrisos que escapavam por ali, não vou verificar se tem cianose, não vou me preocupar com a sua hidratação, nem mesmo vou pensar no sabor da sua saliva e em tudo o que eu me esqueci de dizer. Não vou me lembrar das últimas palavras que eu ouvi de você - nem das primeiras. A sua voz pode pertencer a qualquer um enquanto eu não estiver pensando em você.
E, finalmente, eu não vou pensar no seu calor intoxicante entupindo meus poros, eu não vou pensar nas suas roupas amassadas e quentes caindo no chão, eu não vou pensar na sua febre nem no meu termômetro, eu não vou pensar em encostar em você. Eu não vou pensar em você. Hoje.

sábado, 23 de junho de 2012

Procure

Saudade não traz ninguém de volta, atitude sim. Orgulho não traz ninguém de volta, atitude sim. Você pode até achar a maior babaquice essas frases feitas que falam por aí sobre atitudes valerem mais que palavras, mas eu digo amém pra elas. Uma ligação, uma mensagem, um “preciso falar contigo” não arranca pedaço. Muito pelo contrário, traz pedaços de volta.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Nhoque da discórdia

“Ah! Se mata! Você nunca comeu nhoque!” ouvi essa frase numa sexta-feira, quando saía de um shopping, em Jundiaí, interior de São Paulo. Uma jovem senhora, no alto de seus 40 ou 45 anos, berrava ao celular, notoriamente descontrolada. Apesar de bobo e até engraçado, só consegui rir do comentário minutos depois, já que no primeiro momento todo mundo que estava em volta só se preocupou em observar a briguenta ao celular. Com quem ela estaria falando?
O mistério do nhoque me ocupou por algum tempo. A frase, embora tola, saiu embebida num rancor genuíno, bradada como quem profere uma praga ou insulto. 
A conclusão é tão simples quanto a massa citada na frase. Todos nós já tivemos um dia de tia do nhoque, proferindo alguma bobagem ridícula com o intuito de ofender. Aliás, a tal mulher até ganhou uns pontinhos. Pela raiva expressa em seu tom de voz, aquele “você nunca comeu nhoque” queria dizer muitas coisas (impublicáveis).
Quantas vezes a gente não mostra o dedo no trânsito, xinga muito no Twitter ou manda alguém para a puta que o pariu? A tia do nhoque é só um exemplo do quanto a cabeça quente ferve nossos miolos e torna nossos argumentos um tanto ridículos.
A gente discute sobre música e termina chamando a outra pessoa de imbecil; cai numa crise de ciúme e acaba jogando na cara do parceiro que o presente de Dia dos Namorados foi uma droga; rola uma desavença com a mãe por causa da toalha em cima da cama e a gente garante que vai sair de casa.
A cabeça quente, meus amigos, converte nossos argumentos em nhoque! 

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Inesquecível

Certa vez, a rede social Formspring, me surpreendeu com a seguinte questão: “Hamburgers or Hot Dogs?”. Tal indagação me fez devanear ao meu passado, para infância feliz, porém muito peculiar, que me remeteu a seguinte peripécia familiar que lhes trago agora.
Fomos comprar lanches para a família num carrinho de rua, meu tio e minha irmã, quase maiores, e eu, ainda criança. O carrinho ficava perto de casa, o chapeiro era conhecido nosso e quase amigo de bairro de tantos fregueses, rapazes da idade dele. A meio caminho andado, minha irmã se jogou no chão na nossa frente, desesperada, como se tivesse encontrado dinheiro. Mas não. Era uma folha de árvore caída que, por conta do breu e do desinteresse natural do ser humano por folhas, ninguém tinha visto, mas que por algum motivo chamou sua atenção. Recolheu, limpou, guardou no bolso e foi andando na frente, felizona. Meu tio e eu já não ligávamos mais para essas suas peculiaridades. Sabíamos que, dos três, era a selvagem. Não era tonta, mas certa também não era. Por um lado, se dava bem com os rapazes; por outro, assoava o nariz na toalha de rosto. Era como um espírito-de-porco, mas pela maneira de rir e de olhar, doença mental e possessão demoníaca já tinham sido cogitadas, até pelos amigos.
Quando chegamos ao carrinho, especificamos os ingredientes de cada lanche e aguardamos a confecção observando o trabalho do mestre-chapeiro. Num instante, já estavam os pães abertos, recheados com molhos, vinagrete e purê de batatas. Conforme o chapeiro virou-se para abrir o compartimento das salsichas cozidas a fim de distribuí-las sobre os pães, a selvagem se aproximou e jogou a folha de árvore sobre o lanche da ponta. Quando o chapeiro voltou-se à bancada para finalizar a montagem e viu a folha dentro do último pão e minha irmã vermelha, suando de rir, fez uma cara de indignação doída e soltou algum protesto limpo, um “poxa-que-la-vida”, um “putzgrila”, um “vá-tomar-banho”, mostrando que não podia nem explodir, por respeito aos fregueses e à empresa, mesmo na indignidade da situação. Meu tio e eu estávamos petrificados de vergonha, de dó, de perplexidade, de não entender a razão do ato, a escolha da folha — e não de açúcar, de uma lagartixa morta, de uma salsicha cozida, de uma salsicha crua, de uma linguiça calabresa, de cuspe, enfim, de qualquer coisa que fizesse algum sentido. O chapeiro meneou a cabeça com desgosto, jogou o pão perdido no lixo e chapeou os remanescentes, trêmulos de medo, antes de refazer o cachorro-quente de folha de árvore.
Apesar de nunca ter conseguido esquecer essa imagem terrível, nem o sentimento de profundo embaraço associado, e de até hoje ter calafrios de vergonha quando como cachorro-quente eu me lembro dessa história.
E o que acho mais interessante nisso é que essa história se reflete no que hoje em dia consistem os meus relacionamentos: a expectativa sobre o lanche é grande, mas alguma coisa, sem sentido, sempre o estraga. E são inesquecíveis como esse dia.
Prefiro cachorro-quente.

Não é amor

A gente tem mania de maldizer o amor sem sequer conhecê-lo. Flerte que não dá certo, paixão que frustra, fogo de palha. E quem paga o pato? O amor. O pobre do amor, que nem entrou na história. Façamo-nos um favor: deixemos que o amor apareça quando bem entender. Aproveitemos o flerte, a paixão, o fogo de palha. O amor é seletivo. A maioria de nós, não.

domingo, 17 de junho de 2012

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Solidões

O mágico na literatura é você confessar uma dor que devia ser sua, infinita, incompreensível e descobrir muita gente que sente o mesmo. É se sentir acompanhado na solidão. É estar na beira do precipício, olhar pro lado e ver desconhecidos olhando também, hesitando junto, multiplicando em você a fé de continuar. É saber que não está sozinho, mesmo estando.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Baseado em fatos reais...

Em mais uma conversa com meu psicólogo:
- Como está se sentindo?
- Mal, muito mal, terrível. Cheia de culpa.
- Culpa de que?
- Tem alguém aqui, provavelmente na nossa cidade mesmo, passando fome, e eu quero muito conseguir dinheiro pra comprar um livro que vi. Tem alguma criança perdida por aí que já acha que é proibido sonhar. Tem gente solitária que pensa em morrer e eu ando tão preocupada com sofrer que nem ando prestando muito atenção nos possíveis sorrisos fingidos. Tem minha mãe que dorme no quarto do lado e a uma distância de três mundos de mim. Tem minhas amigas que em algum momento desses dias confusos deixei que me odiassem e me deixassem. Tem uma menina que deveria ter escrito muitos livros, mas não deixaram, minha Anne Frank. Tem um personagem chamado Max que perdeu toda a familia dele porque um cara estúpido resolveu ser dono do mundo. Tem gente morrendo de fome, e comida sobrando. Tem homem sendo assassinado por ousar amar outro homem. Tem filho sendo morto por abraçar o pai. Tem religião que prega mais o ódio que o amor. Tem gente que cansou de sorrir, que só quer trabalhar e pagar as contas, tem gente desistindo de sonhar. Pessoas da minha idade são privadas de estudar. Mulheres não podem sequer opinar. Ainda tem gente sendo torturada, ainda tem gente querendo torturar.
- E as suas dores, onde ficam?
- Não acabou de ver? Me doem todas as dores do mundo, todas elas. E se resolvo ser egocêntrica e chorar só pelas minhas, me sinto culpada por isso, me sinto menor do que sou. Eu queria salvar o mundo seu doutor, mas não consigo salvar nem a mim.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

E você já morreu hoje?

A morte é um polímero. É uma combinação de todas as pequenas fatalidades que te trouxeram até o presente dia, das incontáveis vezes em que você teve que morrer para se desprender, desligar, desapegar, crescer. Cada ciclo que se conclui é uma nova morte para a sua coleção. Cada "última vez" e cada "nunca mais" te propulsionam um pouco mais para longe do ponto inicial, te preparam para um túmulo de pedra gelada aonde você pode largar aquele sonho que acabou, que se realizou ou do qual você desistiu.
Quando te conheci, morri uma vez, encobri com terra a minha realidade de tantas mortes sem importância, "quais foram mesmo as causas das minhas mortes de antes?". Quando te beijei, morri pela segunda vez, a partir dali não saberia mais viver longe do calor e da umidade, nunca mais me importei com os dias de frio. Quando nos casamos - em meu pensamento - , morri pela terceira vez, foi uma linda cerimônia, uma pena você ter perdido, depois disso eu só conseguia ressuscitar ao seu lado. 
Morria mil vezes durante o dia e me deixava continuar morta até te reencontrar, foi a mais poética de minhas mortes, vivia quase a semana inteira em meu corpo de cadáver, apodrecendo diante da vista indiferente das pessoas (estas preocupadas apenas com a gravidade de suas próprias mortes diárias para prestar atenção no grau avançado de minha decomposição), enquanto esperava o ônibus, cortava as unhas, salgava as batatas e, só então na sua presença, me permitia voltar a viver.
Agora morro novamente. Morro em um ato lento e contínuo. Esta morte se prolonga de modo como se não quisesse me deixar morrer, não desta vez, e equilibro as outras mortes que querem desabar sobre mim enquanto esta não acontece. Espero saber ressuscitar tão bem como você me ensinou.
O bom das lágrimas é que elas não deixam cicatrizes, imagine você, tantas que são essas mortes pelas quais tenho que chorar. Só eu sei quantas mortes eu já morri nesta vida e estou sempre vestida para o próximo funeral.

domingo, 10 de junho de 2012

Exato

Você não precisa de um psicólogo. 
Nem de um doutor.
Não precisa de nada melancólico
muito menos de um sofredor.

Precisa de um abraço,
de um ombro amigo.
Talvez seja apenas o cansaço
do amor que está de castigo.

Precisa derramar lágrimas,
pensar naquela substância,
de sentir alguma lástima
ou apenas a verdade de uma ignorância?

Tudo que precisa é ver a verdade
e realizar o desejo chocante
de apreciar a bondade
de alguém que não esteja tão distante.

De uma pessoa tão formosa
metamorfe-se-ou e tornou se o bicho.
Que na tua parede escreve a prosa
je t'aime é apenas um capricho!

Beberemos uma taça de vinho,
apagaremos os momentos sorumbáticos
e pensaremos no próximo carinho
assim como um fanático.

Novamente (e impertinentemente), LR.

sábado, 9 de junho de 2012

Odeio o fim

Sempre odiei fim de texto. E, pra ser franca, muitos outros fins também. Fim de novela, fim de livro, fim de amor, fim de sonho, fim de namoro, de amizade, fim de ano, fim de vida, até fim de dor, que me obriga a ser coisas que ainda não sei ser. Você pode me dizer que só com o fim pode vir o próximo começo, que nada tem fim, tudo se transforma, ou mais alguma filosofia barata, mas não deixo de odiar e não me deixa de doer.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Amar é osso

Pensa em alguém parado numa calçada. Pois é, esta sou eu. Faz quase meia hora que tento atravessar a rua e não consigo. Carros, motos, ônibus... e gente, muita gente. Tem de ter paciência, viu! Mas nada é em vão. Quando me encosto na parede da esquina, para aguardar o movimento diminuir, olha lá quem vem, tá vendo? Ela! A garota com quem sonho todo os dias, desde que a vi pela primeira vez lá na praça. Ela! A mais graciosa, a mais bem vestida, a mais cheirosa, recém saída do banho, já farejo seu cheiro de menina-moça... e o garbo? Ah, a elegância das bem-nascidas! Ela se aproxima. Estou nervosa, tremo um pouco, coço a cabeça, ando de um lado para outro, chego a perder a direção. Vou fingir que olho a vitrine. Nossa, como estão caras as coisas! De esguelha, vejo ela chegar, passos cadenciados... opa! Mas quem é essa que vem com ela? Não pode ser! Minha nossa senhora do osso perdido, ela já arranjou uma dona. Cachorra!

terça-feira, 5 de junho de 2012

Fim


   O meu medo é que a gente deixe essa semana passar, que o mês inteiro passe, dois meses, um ano, sabe lá quantos anos a gente vai deixar passar. O meu medo é que a gente mude. Quer dizer, é claro que vamos mudar, a questão não é essa, minha preocupação é que é possível que deixemos esse tempo passar indefinidamente até eu não mais saber da sua vida, até você também não saber nada da minha, até sermos pessoas diferentes, separadas por incontáveis mudanças, milhares de minutos de distância, que nos impedirão de, algum dia, voltarmos para as pessoas que fomos, ou que quisemos ser - ou que pensávamos querer ser.
    Nós não vamos nos esbarrar por aí como acontece nos filmes. Eu não vou ter a oportunidade de ver a sua felicidade de relance, de tramar contra o seu novo romance, de perguntar se ainda existe uma chance. Isto não é uma comédia romântica, não temos direito à rimas e à saudades. O traçado urbano abaixo de nós foi desenhado com o intuito de impedir o nosso encontro. Nosso primeiro esbarrão foi uma falha do acaso. Os outros que seguiram foram pura teimosia. 
    A cidade foi construída pensando na nossa separação e, daqui a pouco, após uns tantos quadrados riscados do meu calendário, após eu perder a conta das tantas páginas e dias que se passaram, seremos aquelas pessoas as quais estamos destinados a nos transformar, com novos pensamentos, com ideias diferentes sobre o capitalismo, sobre as mudanças climáticas, sobre os personagens das nossas séries favoritas. Estaremos em universos diferentes (veja o quão cafona você me fez ficar), separadas por seis ou sete estações de ~metrô~ que nunca se cruzam.
Voltamos a nossa programação ~normal~