segunda-feira, 21 de março de 2011

Se você não me conhece

Se você não me conhece até agora significa apenas que não tem frequentado as confeitarias certas. Chegue no fim da tarde, arraste a cadeira vazia na minha frente e sente-se sem pedir licença. Eu não vou me incomodar em dividir meus biscoitos amanteigados com você, sempre peço o suficiente para duas pessoas. Meu café já está esfriando de tanto esperar. O garçom sempre se esquece de me trazer adoçante, resolvo deixar amargo, a culpa que o pratinho de biscoitos desperta em mim impede que eu despeje saquinhos de açúcar na minha caneca. Também não gosto da bagunça de papel rasgado na minha mesa, melando a capa do meu livro, convidando formigas a subirem nas páginas.
Espero que você não se importe em me esperar terminar esse capítulo. Detesto interromper a leitura no meio de um parágrafo, sempre acho que é no final daquela frase que estou lendo que está a informação mais importante da história, me odiaria se tivesse que pegá-la pela metade uma próxima vez.
Eu tenho algumas revistas na minha bolsa, posso deixar em cima da cadeira, talvez assim você se sinta mais à vontade para chegar perto de mim. Peça um café para minha boca não ser a única amarga durante a conversa, me olhe nos olhos mas não repare nas minhas olheiras, invente uma história que não aconteceu se lhe faltar assunto, eu prometo que não vou dizer nada se perceber que você está mentindo. Eu falo mais a verdade com os meus olhos do que com palavras, espero que você goste de mim logo de cara para acreditar em todas as minhas mentiras, rir de todas as minhas tentativas para te impressionar, pegar na minha mão pálida de nervoso antes que minha pele comece a sangrar de tanto eu coçar.
Espero que sua letra seja feia e que me escreva cartas, que cante mal no chuveiro e sussurre canções antigas para me fazer dormir, que queime ovos fritos e seja do tipo que só come pizza com catchup. Eu não faço questão de conversas inteligentes, passo o dia inteiro me fingindo de culta, gostaria de ouvir alguns erros gramaticais ao chegar em casa, trocar alguns solecismos durante o jantar, cuspir migalhas de pão no seu jornal enquanto você me conta do seu dia.
Você não me conhece ainda, é verdade, mas eu não sou difícil de encontrar. Estou sempre deitada na varanda ouvindo rádio, tentando te escrever um poema, logo para você que eu nem sei o nome, pra você que fica entrando em bares e botequins e nunca pede um pão de queijo no balcão da loja em que eu estou sentada.
Eu vou ler mais um capítulo, sempre olhando por cima dos óculos para não perder o momento em que você entrar. Prometo fingir que não percebi que era você quando você entrar.

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