sábado, 7 de maio de 2011

Sopa de macarrão

E daí minha mãe me disse que eu não posso mais fugir. Da realidade, do espelho, das pessoas, da varanda. Tentei explicar que é só o que eu sei fazer, tentei tricotar uma boa desculpa para me justificar, para me aquecer, para enrolá-la. Mas ela conhece minha pobreza de argumentos, minha falta de traquejo, minha vontade de enfiar a cabeça embaixo da terra e esperar o dia terminar - ou os dias - e não me deixa falar, não me deixa sequer abrir a boca sem me alfinetar, sem martelar meu dedo mindinho com o passado.
Meu passado cheio de flores de plástico e chocolates derretidos. Cheio de camisetas suadas e mãos geladas por baixo da mesa, de passeios na pracinha e conversas abafadas por música alta, de contas de celular que vou pagar até me aposentar. Histórias transbordando de "quases". Quase não fugi. Mas fugi.
Meus dedos são calejados de ansiedade, de impaciência. Minha mão inteira é áspera de uma vida me esfregando em fronhas para limpar as lágrimas, arrastando a cama de um lado para o outro tentando fugir da insônia. Fugir me deixou áspera, eu acho. "Posso parar a qualquer momento" e lá estou eu fugindo de novo. Da análise, do telefone, de um reencontro no corredor, do amor, do merthiolate que arde, de mim.
Deixo que as pessoas erradas abram meu coração. Permito que pessoas erradas cortem meu peito. E eu sempre fujo quando sinto o primeiro talho do bisturi. Confundem morfina com soro fisiológico e me cortam mesmo assim. Chego em casa sangrando e mostro o corte que trago no peito, bem limpo, bem fácil de costurar, mas minha mãe pega a linha preta e costura um grande mapa em minha pele, o mapa de onde eu não devo mais ir. Ou o mapa para onde devo fugir? Não sei, fechei os olhos nessa hora e nem quis saber o significado. Só sei que transformo amor em passado, como quem coloca caldo demais no macarrão e o transforma em sopa.

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