segunda-feira, 18 de junho de 2012

Inesquecível

Certa vez, a rede social Formspring, me surpreendeu com a seguinte questão: “Hamburgers or Hot Dogs?”. Tal indagação me fez devanear ao meu passado, para infância feliz, porém muito peculiar, que me remeteu a seguinte peripécia familiar que lhes trago agora.
Fomos comprar lanches para a família num carrinho de rua, meu tio e minha irmã, quase maiores, e eu, ainda criança. O carrinho ficava perto de casa, o chapeiro era conhecido nosso e quase amigo de bairro de tantos fregueses, rapazes da idade dele. A meio caminho andado, minha irmã se jogou no chão na nossa frente, desesperada, como se tivesse encontrado dinheiro. Mas não. Era uma folha de árvore caída que, por conta do breu e do desinteresse natural do ser humano por folhas, ninguém tinha visto, mas que por algum motivo chamou sua atenção. Recolheu, limpou, guardou no bolso e foi andando na frente, felizona. Meu tio e eu já não ligávamos mais para essas suas peculiaridades. Sabíamos que, dos três, era a selvagem. Não era tonta, mas certa também não era. Por um lado, se dava bem com os rapazes; por outro, assoava o nariz na toalha de rosto. Era como um espírito-de-porco, mas pela maneira de rir e de olhar, doença mental e possessão demoníaca já tinham sido cogitadas, até pelos amigos.
Quando chegamos ao carrinho, especificamos os ingredientes de cada lanche e aguardamos a confecção observando o trabalho do mestre-chapeiro. Num instante, já estavam os pães abertos, recheados com molhos, vinagrete e purê de batatas. Conforme o chapeiro virou-se para abrir o compartimento das salsichas cozidas a fim de distribuí-las sobre os pães, a selvagem se aproximou e jogou a folha de árvore sobre o lanche da ponta. Quando o chapeiro voltou-se à bancada para finalizar a montagem e viu a folha dentro do último pão e minha irmã vermelha, suando de rir, fez uma cara de indignação doída e soltou algum protesto limpo, um “poxa-que-la-vida”, um “putzgrila”, um “vá-tomar-banho”, mostrando que não podia nem explodir, por respeito aos fregueses e à empresa, mesmo na indignidade da situação. Meu tio e eu estávamos petrificados de vergonha, de dó, de perplexidade, de não entender a razão do ato, a escolha da folha — e não de açúcar, de uma lagartixa morta, de uma salsicha cozida, de uma salsicha crua, de uma linguiça calabresa, de cuspe, enfim, de qualquer coisa que fizesse algum sentido. O chapeiro meneou a cabeça com desgosto, jogou o pão perdido no lixo e chapeou os remanescentes, trêmulos de medo, antes de refazer o cachorro-quente de folha de árvore.
Apesar de nunca ter conseguido esquecer essa imagem terrível, nem o sentimento de profundo embaraço associado, e de até hoje ter calafrios de vergonha quando como cachorro-quente eu me lembro dessa história.
E o que acho mais interessante nisso é que essa história se reflete no que hoje em dia consistem os meus relacionamentos: a expectativa sobre o lanche é grande, mas alguma coisa, sem sentido, sempre o estraga. E são inesquecíveis como esse dia.
Prefiro cachorro-quente.

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